por Lucas Alves, estrategista de conteúdo da Questtonó Manyone
Inovar é promover experiências que ultrapassam aquilo que se espera. Essa é a maior lição com a qual voltamos do HackTown 2022. Esse mega evento reuniu milhares de pessoas, de criativos a pessoas de negócios, entre os dias 15 e 18 de setembro em Santa Rita do Sapucaí, um polo de inovação e tecnologia no sul de Minas Gerais.
Com uma proposta totalmente integrada à cidade e que envolveu palestras, shows e outras ativações, o evento discutiu grandes temas como inovação em experiência e sustentabilidade, e também os impactos da transformação digital e da revolução na cultura de trabalho.
Além da cobertura completa do evento, decidimos trazer os 11 principais aprendizados ligados à inovação, criatividade e negócios que se destacaram por lá nas palestras que a gente conseguiu acompanhar (no total, eram mais de 800 palestras!). Veja abaixo:
1 – Há maturidade em como as organizações trabalham design thinking
Essa aqui nos deixou muito contentes durante o HackTown: entendemos que o design thinking já está muito bem inserido no contexto de negócio da maioria das organizações.
Pessoas com diferentes backgrounds estão falando sobre o tema e o aplicando de jeitos variados, mas no final utilizam a mesma metodologia de descoberta, prototipagem e teste. É um momento muito bacana de reconhecimento do valor do design!
Isso significa que o olhar para a construção da experiência (CX) está incorporado desde a fundação, no momento da construção do modelo de negócio dessas organizações. Que a inovação e o design estão menos idealizados. Que elas estão de olho no “como”, na tangibilização, na aplicação prática. Mas também estão de olho no “porquê”, em entender qual é a função e a proposta de valor, se aquilo realmente deve existir ou não.
É um lugar de pragmatismo que comprova a maturidade do design. Enquanto antes víamos quase que só designers falando sobre experiência, de repente isso está disseminado e outros profissionais incorporaram tanto nosso linguajar quanto o modo de fazer. Dá resultado!
2 – Os eventos precisam ser reimaginados
Você já foi a algum evento e voltou com uma experiência geral negativa? Pois é, se isso já acontecia antes da pandemia, agora então essa preocupação é ainda maior.
As pessoas anseiam ainda mais por conexões de qualidade, por vivenciar experiências verdadeiramente relevantes, por sentir e promover sensações novas e que fujam do comum.
Um dos espaços abertos do evento no HackTown 2022. Vídeo: Questtonó Manyone
É hora de pensar sobre como esse público pode ter suas interações potencializadas, entre si e com o conteúdo do evento. Como o espaço em que ele acontece pode ser integrado, de forma física e digital, com a cidade ou até mesmo dentro de um bom aplicativo.
Como promover uma experiência completa que faça com que as pessoas voltem para casa com saudade, querendo que o evento tivesse durado mais? Que postem no Instagram ou no LinkedIn sobre o quão valiosa foi aquela experiência – impactando inclusive pessoas que não estiveram lá? É esse o tipo de evento que você deve querer estar associado.
3 – Fazer o básico bem feito é inovador
“Estar no hype” não é o mesmo que prosperar – na verdade, nunca foi tão importante buscar por simplicidade e relevância nos negócios.
Existe um tipo de inovação que não está em tecnologias distantes ou soluções totalmente disruptivas, mas que são ideias já maduras, basta subir na árvore e pegar (conceito que muitos chamam de “low-hanging fruit”).
Quando todos querem ser inovadores, é hora de repensar o que define o sucesso e garantir que estamos atendendo às expectativas do consumidor, priorizando inclusive a retenção sobre a aquisição de clientes.
Será que as pessoas realmente precisam daquilo que você está oferecendo? O seu negócio está entregando o “básico bem feito” ou existem pontas soltas que precisam ser acertadas?
O crescimento está no valor percebido pelas pessoas. Elas percebem esse valor na experiência completa (CX), e não em partes isoladas. Por isso, é preciso ter um olhar holístico para a criação de experiências. Descobrir não só o que é relevante, mas também adicionar encantamento às soluções, assim além de importantes elas se tornam desejadas.
Na dúvida, comece a se basear no que chamamos de 4 P’s: People (pessoas), Purpose (propósito), Product (produto – o principal ponto de contato para se relacionar com clientes), e Profit (lucro).
4 – Mensure o impacto que não aparece nos números
É até fácil medir impacto quando este se apresenta de forma direta, em dados e números. Mas e quando os resultados de um determinado trabalho são percebidos de forma mais subjetiva, como transcrever isso?
Tem uma frase da Victoria Sosik, diretora de UX Research da Verizon, que diz o seguinte: “Impacto é quando o conhecimento da pesquisa (de UX) influencia outra pessoa, a organização, o produto ou a estratégia. É sempre a influência que o seu trabalho tem, e não o trabalho em si”.
Uma mesma pesquisa pode ter diferentes tipos de impacto, por exemplo. Quando ela é feita no momento da validação de uma solução, pode trazer resultados como: “X pessoas preferem a solução 1, e Y pessoas preferem a solução 2”.
Já quando a pesquisa é feita no momento da identificação do problema, na investigação das necessidades das pessoas, o impacto também existe, mas ele deve ser registrado de diferentes formas, como: “os resultados da pesquisa foram compartilhados entre X diferentes times internamente; ela recebeu um feedback positivo de C-Levels da empresa; a pesquisa deu origem ao desenvolvimento de um novo feature de produto”.
Anote os diferentes tipos de impacto no momento em que você percebe eles, mesmo que seja em uma planilha simples. Depois pode ser mais difícil de resgatar!
5 – “A cultura come a estratégia no café da manhã”
Essa frase do escritor Peter Drucker foi destacada no nome de uma das palestras do evento. Não tem erro: pode planejar o que for, o dia a dia das empresas é cruel – no sentido de que a cultura fala mais alto do que qualquer coisa.
Para isso, elas devem entender que as pessoas percebem valor no seguinte tripé: Desenvolvimento, Reconhecimento e Equilíbrio (o que muitos chamam hoje de work-life balance).
A pandemia fez com que houvesse uma valorização das diferentes formas de trabalho. Ela deixou claro que, dependendo do tipo de trabalho a ser realizado, não faz o menor sentido ter um espaço físico para ele.
Só que, ao mesmo tempo em que é desafiador, também é possível construir cultura no ambiente remoto. Há uma dificuldade na hora de alinhar o discurso da prática quando o assunto é cultura e engajamento, mas que pode ser superada com organização, métodos, transparência e colaboração.
“Ouvindo as pessoas, a gente percebe que elas têm muito a compartilhar. Só não encontram o espaço ou a segurança necessária para isso”, contou em uma das palestras a designer e facilitadora Beatriz Leite. Ela ainda sugere tirar a liderança desse processo, para que a escuta seja feita sem medo de represália.
6 – Valorize o espaço em que o trabalho é feito
Muitos tipos de trabalho hoje priorizam o formato remoto. No entanto, ainda existem diversas atividades (principalmente ligadas a cocriação) que ainda são bastante interessantes de fazer de forma presencial. É o momento de repensar essa lógica, de investigar o sentido real de trazer as pessoas para o escritório.
Em primeiro lugar, vamos a esses ambientes de trabalho para encontrar pessoas. Nada de trabalho no metaverso: é mano a mano mesmo.
O que as pessoas buscam em um ambiente de trabalho? Que ele seja inspirador, dê acolhimento, e que ao mesmo tempo possa entreter e até cumprir com um papel educativo, no melhor cenário.
É por isso que sempre batemos na tecla da experiência. Quando estiver no escritório, olhe em volta e questione: “O que as pessoas vêm fazer aqui? Por que aquela sala ou objeto está ali, disposta dessa forma?”. Espaços criativos são um jardim para a inovação.
7 – Rebranding não é tarefa fácil
Ninguém falou que seria fácil, mas também… O trabalho envolvido em um processo de rebranding exige um alto nível de cuidado, não só em relação à marca mas também às pessoas com quem ela se envolve, sejam as usuárias ou os próprios criadores.
Antes de qualquer coisa, é importante entender qual é o objetivo do rebranding. É expandir a atuação? É atualizar o público ou se reposicionar para algum outro? Isso ajuda a definir se o processo necessário para que a mudança aconteça vai ser uma disrupção total ou um trabalho de fortalecimento.
Antes e depois da Tônica Antarctica. Foto: Questtonó Manyone
Para isso, destacamos dois pontos importantes: a validação desse processo precisa acontecer não apenas com a pessoa usuária, mas também com os times que trabalham a marca no dia a dia (seja Produto, Comunicação, Marketing, dentre outros). Esse processo não é tão simples como parece e exige um esforço de cultura e engajamento.
Ainda, é preciso garantir que aquilo que é projetado no momento do rebranding seja aplicado com consistência na ponta. Deve haver um trabalho minucioso de gerenciamento da aplicação dos assets da marca com novos atores que entram para o jogo depois que ela é lançada, como as agências de publicidade, por exemplo.
No caso do QuintoAndar, de quem ouvimos palestra sobre o rebranding da empresa, a nova marca buscou estabelecer uma promessa enquanto produto, experiência e empresa, e entregar isso é o verdadeiro desafio de toda marca. Você também pode conferir como referência outros desafios de rebranding que obtiveram sucesso, como o da Tônica Antarctica ou da cerveja Caracu.
8 – Novas ferramentas estão revolucionando a prototipagem
Não é novidade que novas ferramentas aprimoram a nossa forma de criar. No entanto, conforme novas tecnologias surgem em velocidade muito rápida, há em curso uma verdadeira revolução na prototipagem de soluções.
Vamos listar aqui duas das quais ouvimos no HackTown: as de inteligência artificial para geração de imagens, caso do MidJourney e do DALL-E 2 que muitos designers já conhecem. Ainda que estejam atualmente sendo mais usadas por early-adopters, essas ferramentas já conseguem hoje promover um grande abalo na comunidade criativa. É pegar ou largar: que tal incluir alguma dessas na hora de prototipar uma marca, arte ou criação do tipo?
Imagem gerada com a ferramenta de inteligência artificial Midjourney. Foto: Kevin Dooley/Creative Commons
Outro exemplo são as ferramentas de no code (ou low code), que permitem que um profissional consiga prototipar e talvez até lançar no mercado soluções digitais sem que haja envolvido um trabalho minucioso de programação. Algo que era mais comum na criação de sites para web, mas hoje ferramentas como Pipefy também permitem fazer.
“Nesses casos, mais uma vez, o diferencial acaba virando o design”, comentou sobre o tema o sócio da Questtonó Manyone, Barão Di Sarno. De fato!
9 – Grande parte do metaverso é hype. Foque no que não é
Acredite, eu devo estar tão saturado quanto você de ouvir falar em metaverso. Mas por que nos sentimos assim? É simples: as marcas chegaram nele (ou numa ideia rasa dele) antes das pessoas. A maioria das propostas até hoje tem pouca utilidade e impacto real em nossas vidas. Não há qualquer valor em visitar uma loja no metaverso que reproduz em idêntica semelhança uma loja física, por exemplo.
Mas então, por que esse tema continua sendo martelado nos principais eventos que discutem inovação?
Existe algum valor na proposta de um metaverso, só não há tanta clareza ainda de qual ele é. Tanto para as pessoas quanto para as empresas.
É aí onde entra o design estratégico: se já sabemos o que não é legal no metaverso, que tal refletir sobre o que poderia ser? Colocar um óculos delicado para assistir a um jogo na sala de casa e adicionar estatísticas relevantes à experiência, por exemplo. Ou um outro que permita com que médicos cirurgiões treinem suas habilidades em um ambiente digital. São muitas aplicações possíveis e relevantes, esse é só o começo.
Aplicações do metaverso ainda são desconhecidas para a maioria. Foto: Magic Leap
Mas o que já é conhecimento consolidado sobre o metaverso? Existem algumas diretrizes para fazer com que uma proposta dentro dele tenha sucesso. O metaverso deve ser síncrono (acontecer simultaneamente para todos), vivo e perene (permanecendo durante o tempo); ter presença ilimitada de usuários; ser transacional e relacional; operar de forma descentralizada, aberta e com interoperabilidade; e considerar, acima de tudo, experiência e utilidade. Anotou?
10 – ESG não é band-aid para sustentabilidade
A maioria das iniciativas relacionadas à sustentabilidade consiste em pensar formas de reduzir o impacto dos produtos e serviços que já são produzidos. É como pegar a cadeia de um produto e fazer um remendo com um band-aid.
Essa linha de raciocínio até é relevante, mas é insuficiente para a meta de redução da qual o mundo precisa. Para inovar em sustentabilidade e impulsionar o plano de ESG de uma empresa, o melhor caminho é praticar a disrupção sustentável.
Essa mentalidade compreende que as empresas não fazem produtos, e sim realizam trabalhos para as pessoas (também conhecido como o framework de inovação jobs to be done). Uma solução verdadeiramente disruptiva não pensa em quantos % mais sustentável pode ser, mas sim em como ter 10 ou até 100 vezes menos impacto ambiental.
É aí que entra o conceito de “bem-estar sustentável”, um ideal que une bem-estar e sustentabilidade para equilibrar as responsabilidades de indivíduos, governos e organizações acerca do nosso futuro. Ele visa um padrão de vida mais justo para as pessoas, sem que isso comprometa os recursos naturais do planeta.
Fique de olho, em breve divulgaremos um estudo proprietário sobre esse tema!
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11 – Confiança é a fundação de todas as relações
Pensa numa pessoa desconfiada: esse é o brasileiro. Estamos lá embaixo no ranking global de confiança e não é à toa. É muito comum nos sentirmos lesados e até desrespeitados enquanto consumidores por aqui. Tentar cancelar um serviço ou revisar uma cobrança indevida é sinônimo de dor de cabeça para nós.
E o que isso significa para quem projeta experiências? Precisamos que as pessoas confiem na gente, e que nutram um relacionamento positivo com a marca ou produto para que continuem a conversa.
Existe uma série de artifícios de design de conteúdo para inspirar essa confiança no ambiente digital, e o uso das palavras corretas é um grande aliado nisso.
É preciso reduzir a carga cognitiva das pessoas, elas devem considerar as tarefas ligadas à sua solução fáceis e críveis. Jamais podem se sentir enganadas, ou que devem ler as letras miúdas para que isso não aconteça.
Saiba o que causa o encantamento desse cliente. Espelhe a emoção dele ao interagir com a solução. Se ele realizou uma ação correta, o parabenize de forma adequada; se ele cometeu algum erro, não o culpe, e sim o tranquilize e oriente a resolver o problema.
Por fim, antecipe a informação para que ele sempre veja vantagem na interação, saiba e se interesse pelo próximo passo a ser dado.
*Os aprendizados deste artigo foram baseados em palestras vistas durante o HackTown 2022. As palestras foram realizadas pelos seguintes profissionais: Barão Di Sarno, sócio-fundador da Questtonó Manyone; Beatriz Leite, facilitadora e designer de experiências; Carol Veraldi, UX Research Manager do PicPay; Cris Dias, Content Designer no Nubank; Edu Paraskee, Co-founder na Deboo Web 3.0; Felipe Campos, Head de Branding do QuintoAndar; Gabriel Lopes, presidente da Abedesign; Leonardo Massarelli, CCO da Questtonó Manyone; Marcelo Lobianco, CEO da Fast Company Brasil e Thiago Veras, Consultor de Tecnologia e Inovação do CESAR.
**Arte da capa: Felipe Minutti.