por Lucas Alves, Estrategista de Conteúdo
A maioria das iniciativas relacionadas à sustentabilidade consiste em pensar formas de reduzir o impacto dos produtos e serviços que já são produzidos. É como pegar a cadeia linear do produto e fazer um remendo com um band-aid.
Essa linha de raciocínio até é relevante, mas é insuficiente para a meta de redução da qual precisamos. Para inovar em sustentabilidade e impulsionar o plano de ESG de uma empresa, o melhor caminho é praticar a disrupção sustentável.
Essa mentalidade compreende que as empresas não fazem produtos, e sim realizam trabalhos para as pessoas (também conhecido como o framework de inovação jobs to be done). Uma solução verdadeiramente disruptiva não pensa em quantos % mais sustentável pode ser, mas sim em como ter uma redução exponencial do impacto ambiental.
É aí que entra o conceito de “bem-estar sustentável”, um ideal que une bem-estar e sustentabilidade para equilibrar as responsabilidades entre indivíduos, governos e organizações acerca do nosso futuro. Ele visa um padrão de vida mais justo para as pessoas, sem que isso comprometa os recursos naturais do planeta.
Conversamos sobre esse tema com o futurista, ativista e sócio-fundador da Questtonó Manyone, Barão Di Sarno. Seu foco de atuação é em projetos focados na construção de futuros mais humanos e sustentáveis. Ele também é vice-presidente do Instituto A Cidade Precisa de Você, um coletivo que visa melhorar a vida nas cidades através da ativação de espaços públicos.
Entenda como as empresas devem praticar a disrupção sustentável para ajudar a construir um futuro desejável mas, ao mesmo tempo, possível na entrevista abaixo:
1 – Por que é necessário falar de disrupção sustentável hoje?
Barão Di Sarno: Eu tenho uma hipótese de que a sociedade, dadas as circunstâncias que se agravaram muito nos últimos anos por conta da crise do modelo que vivemos [pautado pelo consumo], está propensa a transformações mais significativas nos hábitos de consumo e de estilo de vida do que o mercado proporciona. Houve uma época em que o mercado dizia que não era possível inovar tanto porque o consumidor não estava adaptado, que tinha que começar pelos early adopters até ter maturidade, então era preciso por o pé no freio.
Agora sinto que é o contrário. São as indústrias que colocam o pé no freio para não se tornarem irrelevantes. Elas tentam criar maneiras de fazer com que o tipo de mercado onde navegam continue existindo. Só que as pessoas não querem que as coisas sigam como são. A indústria acabou se tornando um motor não para a transformação, mas para a manutenção de um modelo predatório. As pessoas estariam dispostas a uma disrupção sustentável se elas tivessem ao seu alcance produtos e serviços que permitissem isso.
2 – Por que a noção de “produtos sustentáveis” que tantas empresas promovem hoje é errada?
BS: As empresas tentam fazer produtos mais sustentáveis a partir de um redesign de produtos que elas já possuem, partindo do mesmo paradigma e fazendo apenas uma redução de impacto no ciclo de vida deles.
Veja a indústria automobilística, por exemplo. Ela está tentando, na Europa, conseguir reduzir e acabar com o impacto de carbono em 2035. Eles sabem que para cumprir essa meta lá demora mais para cumprir aqui, então vão jogar a tecnologia obsoleta pro hemisfério sul. Essa é a prova máxima de que a forma pela qual as pessoas conduzem a sustentabilidade hoje, baseada na redução de impacto pelo produto: demora muito tempo e tem pouco impacto expressivo. É como enxugar gelo, você tira o foco do investimento e do desenvolvimento de projetos da onde deveria ser.
Ao mesmo tempo, a gente vê que a adoção que o mercado teve ao carro compartilhado, através da sharing economy, foi em questão de anos. Então sabemos que é possível, a arena de atividade do consumo é a mesma. O deslocamento conveniente de um lugar ao outro é um exemplo do job to be done que estamos falando, a tarefa que aquela solução realiza.
Quando você reduz o impacto por produto, o carro sustentável pode até ter um impacto menor, mas a indústria continua querendo vender mais carros, e a gente tem todo o mercado dos países em desenvolvimento querendo consumir mais. De que adianta diminuir o impacto por unidade sendo que ele tem como objetivo aumentar a unidade de venda?
Por causa de todos esses problemas, essa lógica está fadada ao fracasso. Temos que pensar nos jobs to be done para resolver as coisas de outra maneira e entregar a experiência de forma expressivamente menos impactante.
3 – Por que é insustentável pensar em um futuro onde toda a população tenha o padrão de vida dos países considerados desenvolvidos?
BS: A gente tem um horizonte claro no qual a gente consome hoje o equivalente a quase duas vezes o que o planeta é capaz de regenerar. Só que, enquanto uma parte da população vive em situação de miséria extrema, uma minoria das pessoas consome este segundo planeta. Não podemos ter esse modo de vida como referência, é muito desigual. Se todos vivessem como quem está no topo, estamos falando de quantos planetas a mais, cinco, seis?
Achar que vamos ter a mesma forma de resolver os problemas, o mesmo tamanho de casa, o mesmo tipo de carro, só que os produtos vão ser sem impacto, carbono neutro e totalmente sustentáveis é completamente utópico. É uma crença de quem não quer pôr o dedo na ferida e discutir os modelos. Sabemos que não dá tempo de transformar todas as indústrias para serem completamente sustentáveis, nem temos tecnologia para isso.
E também não adianta reduzir o impacto de cada um dos indivíduos de primeiro mundo, sabendo que ao mesmo tempo existem milhões de pessoas por ano que ingressam nesse tipo de padrão de vida dos países desenvolvidos.
É imprescindível que as pessoas persigam um bem-estar que não tenha esse modo de vida como referência, porque ele é a destruição a curto prazo.
4 – O que significa o conceito de “bem-estar sustentável” e como ele contribui para essa discussão?
BS: Quando eu falo de bem-estar, estou trazendo para uma dimensão mais sistêmica. Não estou falando mais de cada produto, e sim do modo de vida como um todo. Não dá para pensar em soluções isoladas. A gente tem que pensar em um modo de vida que dê conta das necessidades das pessoas, e aí responder essas atividades através de uma estrutura de produtos e serviços que atendam a esse problema sem onerar o planeta a mais do que ele é capaz de regenerar.
Como podemos projetar modos de vida que proporcionem bem-estar, mas que também possam ser vividos por todas as pessoas do planeta, inclusive nas próximas gerações? Isso deveria ser uma dimensão ética do desenvolvimento de produtos e serviços e bens de consumo.
Não deveria ser aceitável que uma empresa tenha orgulho em desenvolver um produto que gere uma ideia de bem-estar e parte do pressuposto de que, para exercer esse bem-estar, uma pessoa está necessariamente comprometendo o bem-estar dos outros e de futuras gerações. Ao consumir aquilo, ela obrigatoriamente está consumindo mais do que seria o seu espaço natural, e invadindo o espaço de consumo do planeta dos outros.
5 – Consegue dar um exemplo prático desse conceito?
BS: Um dos motivos que explica como a forma pela qual satisfazemos as nossas necessidades é completamente insustentável é a quantidade de desperdício que temos ao longo do processo. Isso tem a ver com a redundância, onde temos um monte de coisa pra resolver os mesmos problemas. E também está relacionado à ociosidade. Como temos uma quantidade grande de coisas que satisfazem problemas pontuais, guardamos e só usamos naquele momento.
O exemplo máximo disso é a casa, especialmente a de classe média ou alta. A casa é um verdadeiro depósito de objetos que estão lá guardados, ociosos, para que a pessoa tenha acesso à experiência num momento pontual. Elas são um acúmulo de coisas que ficam desligadas enquanto estamos usando, no máximo, 5% delas a cada vez.
Isso tem a ver com o fato de pensarmos tanto em produtos como na própria casa como se fosse um hardware que tem um software embarcado.
Se a gente vai pra um eletrônico, um microondas, o software do microondas tem os botões que servem sempre para as mesmas coisas, então ele roda só um tipo de funcionalidade, diferente de um computador ou celular que você pode rodar diferentes softwares lá dentro.
A nossa casa é um hardware com softwares embarcados. O nosso quarto está ali para o descanso, espaço íntimo; a sala e a cozinha rodam sempre as mesmas tarefas, que é o cozinhar, o descansar e, no máximo, trabalhar.
A pandemia deixou muito evidente que, através da tecnologia, da comunicação e inclusive da reclusão do lockdown, a casa precisa ter muitos outros softwares. Não é mais só o lugar para descansar, cozinhar e dormir. Também é shopping, academia, balada e uma série de outras coisas. Se a gente seguir com um pensamento linear, só teríamos a opção de construir mais cômodos para cada um fazer uma tarefa. Precisamos de um outro pensamento.
Uma casa pode rodar diferentes softwares, que atendam ao brincar, trabalhar, comprar, dentre outros. Aí sim a gente consegue introduzir no mesmo hardware, através do pensamento de multifuncionalidade dos ambientes, objetos que possam servir a tarefas diferentes.
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